Não pode parecer, mas o cerrado é um dos biomas mais ricos e o mais ameaçado do Brasil. Embora tenha a metade do tamanho da Amazônia, é responsável por quase 70% das bacias hidrográficas do País e por 5% de toda a biodiversidade do mundo. É também a savana mais rica e úmida do planeta, com maior número de espécies de plantas com flores (angiospermas). O cerrado é o bioma das flores: são 12.274 espécies – a Amazônia tem 12.103. O cerrado é o berço das nascentes que alimentam oito das 12 grandes bacias hidrográficas brasileiras e onde ficam as cabeceiras dos rios que formam a maior planície alagada do planeta, o Pantanal.
Mas, segundo reportagem do National Geographic, também é o bioma mais ameaçado do País, principalmente pela agricultura de larga escala.
O cerrado ocupa 23% do território brasileiro, com mais de 200 milhões de quilômetros quadrados, estendendo-se por Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal. Entres tipos de vegetação, há grandes porções de savanas e campos, mas também florestas. A biodiversidade do bioma é em parte explicada pela umidade, que é maior do que nas savanas da África, Austrália e Índia.
De acordo com a Coleção 6 do MapBiomas, que analisa de forma detalhada a ocupação e uso da terra no país, entre os anos de 1985 e 2020, a agricultura do cerrado passou de 4 para 23 milhões de hectares. Já a pecuária foi de 38 para 47 milhões de hectares no mesmo período. Juntas, ocupam atualmente 44,2% do território e são responsáveis por 98,8% do desmatamento do bioma. Ainda segundo o relatório, restam hoje 54,4% de vegetação nativa de cerrado. Mas especialistas e agrônomos acreditam que este porcentual hoje é bem menor. Na região da represa de Serra da Mesa, por exemplo, houve uma perda de biodiversidade muito acelerada de anfíbios. Cerca de 50% em apenas três anos.
Celeiro mundial
“A preocupação com o Cerrado basicamente se restringe às pessoas da academia. Ele é visto apenas como um celeiro, que precisa produzir alimento para o Brasil e o mundo, mas sua flora e biodiversidade são absolutamente ricas”, diz Bruno Machado Walter, pesquisador em recursos genéticos e biotecnologia da Embrapa e colaborador do projeto Flora do Brasil 2020. “É cômodo deixar o cerrado e a caatinga para plantar soja, para fazer agricultura em larga escala. As leis de proteção desses biomas são muito mais lenientes do que as leis de florestas”, frisa.
Para os pesquisadores entrevistados pelo National Geographic, o bioma pode sim ser usado para produção agropecuária, mas ela tem que andar junto dos esforços de conservação. Um estudo publicado na revista científica Global Change Biology mostrou que a elevada supressão de vegetação nativa, somada a incêndios de grandes proporções, tem provocado elevação das temperaturas, o que prejudica ciclos de fotossíntese, absorção de luz e formação de orvalho, muitas vezes a única fonte de água para insetos polinizadores, cruciais para a manutenção da biodiversidade durante a estação seca.
O resultado poderá ser uma reação em cadeia, que levará o cerrado ao colapso em apenas 30 anos, caso as tendências de aumento médio de temperatura observadas continuem. Recuperar o bioma é preciso, e urgente. Para planejar a restauração é preciso mapear as áreas destinadas para recuperação, prioritariamente pastagens degradadas, em áreas de pouca chuva e sem valor para a agricultura, como declives. A recuperação da produtividade salva áreas para a conservação.