Se a ideia do desfile militar na Praça dos Três Poderes na manhã de ontem era intimidar a Câmara dos Deputados no dia em que a PEC do voto impresso ia ao Plenário, o tiro passou longe do alvo. Embora tivesse a maioria apertada dos votos, 229 a 218, a PEC não conseguiu o mínimo de 308 para seguir tramitando e está arquivada em definitivo. Mais cedo, o Senado deu de surpresa uma resposta ainda mais contundente: aprovou o projeto que extingue a Lei de Segurança Nacional, além de criminalizar golpes de Estado e fake news em eleições.
Pela primeira vez desde 1984, nos estertores da ditadura militar, Brasília amanheceu sob o fantasma dos ‘tanques na rua’. O pretexto era entregar um convite simbólico ao presidente Jair Bolsonaro para exercícios militares de rotina, e assim a Marinha entraria na Praça dos Três Poderes com veículos de combate. Ocorreu, porém, no dia em que a Câmara decidiria a PEC do voto impresso. O que se viu foi um desastre, que logo virou piada, muito longe de uma demonstração de força. Tanques antigos, soltando muita fumaça preta, desfilaram diante de pouco mais de uma centena de apoiadores do governo.
O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, disse que o desfile no dia da votação era “mera coincidência”, mas, como revela Valdo Cruz, assessores presidenciais admitiram em sigilo que o desfile foi montado às pressas para intimidar o Legislativo. Tanto que o Comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira, só ficou sabendo que sua presença era obrigatória na véspera.
Convidados, os demais Poderes não enviaram representantes. E chamou a atenção a ausência do vice-presidente Hamilton Mourão, ele próprio general da reserva. Não se sabe se foi convidado, mas, segundo fontes, o vice considerou que sua presença era inadequada. Como era previsto, a repercussão internacional não foi nada boa para a imagem do Brasil. O melhor resumo foi feito pelo inglês The Guardian: “Parada militar de ‘república das bananas’ de Bolsonaro é condenada por críticos”.
Reação
A resposta do Legislativo começou pelo Senado, onde o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) abriu a sessão com um discurso duro, dizendo que o Congresso não se curvaria a “arroubos, a bravatas, a ações que definitivamente não calham no Estado democrático de direito”.
A mais dolorosa derrota de Bolsonaro, embora não tão esmagadora quanto se esperava, foi a rejeição pela Câmara da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que instituía voto impresso no sistema de urnas eletrônicas. A proposta teve 229 votos a favor e 218 contra, com uma abstenção, do deputado Aécio Neves (PSDB-MG). Embora tivesse 11 votos a mais, a PEC não atingiu os 308 mínimos necessários e foi arquivada.
Como era previsto, 15 partidos (PT, PL, PSD, MDB, PSDB, PSB, PDT, SD, DEM, PSOL, Avante, PCdoB, Cidadania, PV e Rede) orientaram suas bancadas a votar contra a PEC. Republicanos, PSL e Podemos ficaram a favor. Não tomaram posição PSC, PROS, Novo, PTB e, surpreendentemente, o PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), do líder do governo, Ricardo Barros (PR), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. PSDB, DEM e Novo deram maioria de votos à base de Bolsonaro.
Após a votação, Lira disse que o voto impresso era um assunto encerrado este ano, o que inviabiliza sua adoção no pleito de 2022. “Vai ao arquivo e, com respeito à Câmara dos Deputados, esse assunto está neste ano, com esse viés de constitucionalidade, encerrado. Nós não teríamos tempo nem espaço para iniciar nova discussão”, afirmou.
Mas a reação mais contundente foi no Plenário, com a aprovação do projeto de lei que extinguiu a Lei de Segurança Nacional (LSN), entulho da ditadura, e tipificou os crimes contra a democracia. Como o texto que veio da Câmara não foi alterado, ele vai agora à sanção presidencial, e a expectativa é de que Bolsonaro não economize nos vetos. Que podem ser derrubados no Congresso. Com a nova lei, passam a ser considerados crimes o golpe de Estado, a ameaça às eleições e a divulgação de notícias falsas em campanha eleitoral.