No Senado, briga: a oposição rachou na CPI da Pandemia. No governo do presidente Jair Bolsonaro, apreensão à beira da quebra do teto de gastos. Em Brasília, o dia ontem foi de caos, de indecisão. O Palácio do Planalto parecia ter enfim dobrado a equipe econômica, forçando o grupo por uns ainda considerado liberal a aceitar o estouro no teto. Preparava uma festa para anunciar, no fim da tarde, o Auxílio Brasil no valor de R$ 400. Aí o mercado financeiro surtou. Inseguro, o governo cancelou o evento sem desistir do Auxílio que, se criado, não terá sido por crença na política social e sim para dar chance de reeleição ao presidente.
A estrutura do evento já estava montada e parte dos convidados chegava ao Palácio do Planalto quando o Ministério da Cidadania decidiu, de última hora, cancelar o lançamento do Auxílio Brasil, programa social substituto do Bolsa Família. A cerimônia estava marcada para as 17 horas de ontem, foi suspensa pouco antes. Na ocasião, o governo indicava a definição do valor do novo benefício para R$ 400 em 2022, acima dos R$ 300 previstos anteriormente.
A notícia de que a equipe econômica cederia à ala política afetou o humor do mercado financeiro e levou a bolsa a chegar no menor nível desde março. A grande preocupação era de que o Auxílio Brasil levasse a um rompimento do teto de gastos, considerado a âncora fiscal do país. A instabilidade no mercado refletiu no Ibovespa, que fechou com queda forte, de 3,28% aos 110.672 pontos. O dólar comercial fechou na maior cotação desde abril, com alta de 1,33% e cotado a R$ 5,59.
Nos bastidores do governo, o clima é de derrota e insatisfação para a pasta de Guedes. A crítica dos técnicos é de que uma brecha aberta na regra que limita as despesas do governo pode “abrir a porteira” da irresponsabilidade fiscal e afetar a reeleição de Bolsonaro no ano que vem. A expressão de derrota do secretário da Fazenda, Bruno Funchal, era autoexplicativa. O principal auxiliar de Guedes nem tentou disfarçar a frustração com o anúncio, diante de dezenas de analistas de mercado e economistas que o viam falar no banco JPMorgan. A pergunta da economista-chefe do JP Morgan, Cassiana Fernandez, era inevitável: será que o anúncio do governo faria o ministério da Economia perder parte da equipe? A resposta de Funchal: ‘Estamos lutando pelo melhor. A gente tenta fazer o melhor, é só o que podemos fazer’.”
Conflito na CPI
Já no Congresso Nacional o conflito na CPI da Pandemia só aumentava. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou uma minuta do relatório que lerá hoje com todos os pontos que provocaram divergências. Por exemplo, principalmente: a acusação de que Bolsonaro é responsável por genocídio indígena e o indiciamento de 70 pessoas, sendo que a maioria sequer foi ouvida na comissão. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que escolheu Renan para a relatoria, está entre os mais críticos. Durante a noite os senadores combinaram tirar as acusações mais genéricas contra Bolsonaro, mas os conflitos não foram resolvidos.
O dia tenso deu lugar a uma longa noite de costuras que culminou numa mudança importante no relatório de Renan Calheiros que será lido hoje: a retirada da acusação de genocídio contra o presidente Bolsonaro. Esse era um dos 11 crimes atribuídos ao chefe do Executivo. Os senadores também pretendem trocar “homicídio” por “epidemia com resultado de morte”. Renan pede o indiciamento de outras 69 pessoas, incluindo os ministros Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), os três filhos do presidente com mandato, parlamentares, funcionários públicos, pastores e empresários.
Tudo ainda está em discussão. Dois dos filhos de Bolsonaro, o vereador carioca Carlos (Republicanos) e o deputado Eduardo (PSL-SP) são acusados de comandar a divulgação de notícias falsas, e o primogênito, o senador Flávio (Patriota-RJ) é citado ainda por “advocacia administrativa”. Esse é outro ponto polêmico na minuta: a CPI ouviu apenas 28 das 70 pessoas indiciadas no documento, entre elas os filhos do presidente. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), acusada de incitação ao crime, disse que vai ao STF pelo direito de ser ouvida.
A reação começou logo ao fim da sessão de ontem pelo próprio presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM). “A gente não tem por que, depois de seis meses de trabalho, chegar agora no final e colocar tudo a perder. Isso não passa pela cabeça de ninguém”, afirmou.
Esta quarta-feira promete ser de mais tensão em Brasília.